Maria e a névoa (por Isaias Martins)
Cicio,
cicio
Dizia ela ao vento
Como quem doma cavalos.
Isaias Martins
Tudo
acontecia dentro de si. Para ela tudo era bem concreto e palpável, mensurável e
subjetivo em seu interior. Tal idiossincrasia paradoxal prendia-a nos palácios
emocionais de sua alma e nos castelos de sua mente.
&
Mesmo sendo açoitada pelo sono, Maria deixou o seu quarto
naquela noite quente de domingo. Quando chegou ao quintal não encontrou o que
queria. Buscou refrigério olhando para cima, atraída pela claridade da lua
nova.
Havia névoa inoportuna na superfície lunar. Névoa que Maria
nunca saberá do que é feita. No entanto, a mulher sabia que aquela névoa era
sua inimiga e que não a deixaria encontrar a solução para o seu conflito
íntimo.
Maria enraiveceu-se. Apontou dedo firme para a lua, como quem
acusa e ameaça. Gritou como uma louca, imprecações inéditas e antigas. Mas, com indiferença, a névoa
insistia em encobrir aquela cena singela e aprazível, que poderia dissipar o
tumulto dentro de Maria.
Sim. A névoa encobria um tal Jorge e um dragão.
Enfrentaram-se brutalmente há algum tempo, porém, agora brincavam de roda. Isto era
maravilhosamente incrível e inspirador.
&
Logo, esta névoa agitava-se em rodopios celestiais,
avolumava-se rapidamente e descia da lua até ao quintal de Maria em poucos segundos.
Colocava-se ante a pequena e magra mulher, a poucos centímetros apenas. Isto a
transtornava. Ela sempre pensava que morreria, mas nunca morre. Consegue apenas
dizer Cicio, cicio.
Sempre quando tinha lua nova Maria passava por isto: a mesma
agonia, a mesma névoa na alma, a mesma raiva, a mesma frustração.
A mulher completara no dia anterior 67 anos. O martírio se
repetia há 51. Desde aquele acontecimento...
&
Ainda trêmula e molhada, Maria voltava para seu quarto. Colocava um
travesseiro entre as pernas. Cobria-se completamente. Em posição fetal e
dizendo Cicio, cicio, ficava até
dormir.