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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

É TEMPO DE POESIA



Balanço

Escrevo como quem morre.
Balanço:
Uma vida inteira e nenhuma semeadura que vingou.

E ainda:
O Nada e os erros
Vingam em mim
O Inescrupuloso Invisível.

Com covardia atroz
Não me permitiram defesa,
Defesa última que seja,
Último gesto agônico de desesperança.

domingo, 6 de janeiro de 2013

OUTRO CONTO



Prudêncio, o Criolo

(...) - Toma, diabo! dizia ele; toma mais perdão, bêbado!
- Meu senhor! gemia o outro.
- Cala a boca, besta! replicava o vergalho.
Parei, olhei... Justos céus! Quem havia de ser o do verganho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio, o que meu pai libertara alguns anos antes (...)
Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis.


    Não acredito, esta é a minha chance de viver meu grande amor! D. Teodora, abraçando carinhosamente o jornal, no qual lera um anúncio de venda de um criolo, pronunciou sorrindo esta frase.
       D. Teodora é uma viúva que possui o poder de encantar a muitos, embora tenha 57 anos de idade e quatro filhos. É um pouco misteriosa somente nos olhos. Ela se tornara mais vaidosa após a morte de seu marido, há três anos. Talvez quisesse encontrar um novo esposo ou um homem.

                                                                        &
     De repente, Isabel e Pedro entram conversando na sala, onde D. Teodora está a sós com o seu criolo, no anúncio:
       – Não vejo a hora de sumir deste fim de mundo e ir fazer parte da elite francesa.
     – Até que eu gosto do Rio de Janeiro, tem criolos baratos e negociantes burros, uma mistura perfeita para se ganhar muito dinheiro. Disse Pedro, com um riso malignamente ganancioso, à sua irmã.
       A mãe volta-se para os dois filhos mais velhos, que acabaram de interromper o possível início de conjecturas proibidas, e com os olhos brilhando diz:
    – Acho que precisamos de um criado. Eles a olharam fixamente, aguardando que alguma justificativa viesse logo em seguida, mas D. Teodora se calou e saiu. Saiu com uma pontinha de riso, riso tão discreto que os filhos não notaram. Quase não notei.

                                                                        &

       Os quatro filhos de D. Teodora se pareciam muito, pelo menos no que concerne à ambição.
Isabel e Virgílio são advogados, que, apesar da pouca experiência e de raramente ganharem uma causa, possuem articulação maliciosa o bastante para sugarem até os últimos réis de seus clientes. Ambos moram em São Paulo, mas estão sempre por dentro de qualquer negócio que a mãe realize.
       Vieira, o filho mais novo é também o mais cruel de todos. Só de lembrar-se dos bens de sua mãe e da fortuna que eles valem já começa a fazer planos ardilosos. Dois meses após seu pai ter falecido tentou sequestrar D. Teodora. Não obteve sucesso. Como ninguém descobriu que foi ele o mentor do atentado, não se deu por vencido e até hoje planeja um golpe fatal.
      D. Teodora era a única que mais tarde saberia que tinha sido seu filho o autor do sequestro fracassado. Mas não tomou providência contra Vieira. Que coração! A vingança, não somente contra o caçula, mas contra a ambição em geral de seus filhos, viria com a compra daquele criolo, o Prudêncio.

                                                                       &

      Ninguém desconfiava, porém D. Teodora, mesmo sendo rica e branca, era fascinada por um criolo; e aquele anúncio no jornal era mais que ideal.
        No dia seguinte, aos 22 do sexto mês de 1878, Virgílio faria aniversário, então toda a família se reuniu no Rio de Janeiro, na Casa da família, para um grande almoço.
      Era meio dia, todos os filhos já estavam presentes, quando, de repente, D. Teodora chega abraçada com o criolo Prudêncio, ou melhor, Prudêncio, o Criolo de 22 anos, do anúncio.
         Os filhos olharam assustados e D. Teodora disse:
        – Estou indo embora viver o amor verdadeiro que sempre quis. E a vocês, que só pensam em meus réis, deixo um tílbure e um burro de dentes podres e bicheira no rabo, pois todo o restante eu já vendi.
         A vaidosa viúva viu o temor nos olhos dos filhos. Puxou Prudêncio pelo pescoço e o beijou na boca. Logo em seguida sorriu, disse adeus aos filhos e saiu imponente.
          Perplexos, os quatro filhos em uníssono disseram:
          –  O tílbure e burro são meus! Há males que vem para o bem!

                                                                       &

          Em uma grande festa comemoraram o aniversário de Virgílio.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

MAIS UM CONTO:



Evasão
 Isaias Martins

I
             Caiu rapidamente o sol no horizonte. Aquele dia fora marcado pela fugacidade das horas. Todos os homens sentiram algo diferente a cada segundo que se passava. Alguns que ousaram entender a causa de tal incômodo, apenas acumularam para si, enfado e frustração.
           
II
             João entrou rapidamente em sua casa e dirigiu-se, sem cumprimentar alguém, diretamente para o banheiro. Intencionava despedir pelo ralo, nos braços da água, a mais forte lembrança daquele dia estreito. Sim, João tinha o hábito de se purificar ou, pelo menos, se enganar debaixo do chuveiro.
            A água fria que lhe tocava primeiramente o topo da cabeça ia pouco a pouco penetrando pelos seus poros até alcançar sua alma. Quando isso ocorria, João sentia um êxtase e se entregava em um sorriso de satisfação.
           
III
             Um olhar moribundo e um gesto impotente tentam alcançar o homem apressado naquele dia breve. O homem desvia-se para a esquerda, não permitindo que aquela mão leprosa, velha e fedida alcance a orla de sua calça de linho. Entra no carro rapidamente e, enquanto o vidro sobe lentamente, olha aquela velha no rosto. Na tentativa da miserável em esboçar alguma palavra de misericórdia, escorre-lhe dos lábios feridos uma mistura de saliva e sangue.
            Nos olhos do homem, surpreendentemente, não vi nojo, nem em sua face manifestação de repulsa. Pelo contrário, o que me assustara fora a satisfação que tivera: primeiramente por ter-se esgueirado daquele toque impuro e depois, por ter a certeza que era superior àquela desgraçada. Ligou o ar-condicionado e dirigiu anestesiado por aquele gozo.

IV
            A água lhe provocara um efeito contrário ao habitual. Abriu totalmente a queda d’água e a pressão interior aumentou. Tentou se livrar dela, jogando um acúmulo de água nos olhos. Lavou-os bem, como nunca fizera antes. Estavam límpidos. O homem virou-se. Apanhou a toalha com a mão esquerda. Enxugou o rosto. Desembaciou o espelho com a mão direita e procurou nele a paz que não viera com o banho.

V
            O ar-condicionado começou a gelar sua alma. Desligou-o. Rapidamente o calor fez derreter sua paz. Abriu dois vidros do carro. Não demorou mais que três segundos para que a poluição do fim de tarde lhe roubasse o oxigênio do cérebro. Pensou que morreria ali mesmo. Tentou compreender o porquê daquela mudança repentina dentro de si. Não conseguiu.
            O sol morria rapidamente e matava consigo aquele dia e aquele homem.
            Durante os quinze minutos de agonia que se seguiram o homem desejava ardentemente o encontro com o chuveiro.

VI
             Aquela velha estava dentro do espelho. Tentou novamente proferir alguma palavra de clemência. Havia mais sangue que baba em seus lábios desta vez.
            O homem fecha a mão direita e tenta afugentar a velha para fora de seu espelho. No mesmo instante o sangue da moribunda se apega à mão de João. Rapidamente tomou todo o seu braço e adentrava pelos seus poros.
            Mesmo com o vidro quebrado a velha continuava lá. O mais próximo que podia daquele homem desesperado. Aquele sangue penetrou o mais profundo que pode e mesclou-se com o sangue de João.

            O homem saiu do banheiro. Vestiu-se. Abriu uma garrafa de rum e bebeu até dormir.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

UM BREVÍSSIMO CONTO:



Maria e a névoa (por Isaias Martins)
            Cicio, cicio
Dizia ela ao vento
Como quem doma cavalos.
Isaias Martins

          Tudo acontecia dentro de si. Para ela tudo era bem concreto e palpável, mensurável e subjetivo em seu interior. Tal idiossincrasia paradoxal prendia-a nos palácios emocionais de sua alma e nos castelos de sua mente.
&
          Mesmo sendo açoitada pelo sono, Maria deixou o seu quarto naquela noite quente de domingo. Quando chegou ao quintal não encontrou o que queria. Buscou refrigério olhando para cima, atraída pela claridade da lua nova.
          Havia névoa inoportuna na superfície lunar. Névoa que Maria nunca saberá do que é feita. No entanto, a mulher sabia que aquela névoa era sua inimiga e que não a deixaria encontrar a solução para o seu conflito íntimo.
          Maria enraiveceu-se. Apontou dedo firme para a lua, como quem acusa e ameaça. Gritou como uma louca, imprecações inéditas e antigas. Mas, com indiferença, a névoa insistia em encobrir aquela cena singela e aprazível, que poderia dissipar o tumulto dentro de Maria.
          Sim. A névoa encobria um tal Jorge e um dragão. Enfrentaram-se brutalmente há algum tempo, porém, agora brincavam de roda. Isto era maravilhosamente incrível e inspirador.
&
          Logo, esta névoa agitava-se em rodopios celestiais, avolumava-se rapidamente e descia da lua até ao quintal de Maria em poucos segundos. Colocava-se ante a pequena e magra mulher, a poucos centímetros apenas. Isto a transtornava. Ela sempre pensava que morreria, mas nunca morre. Consegue apenas dizer Cicio, cicio.
         Sempre quando tinha lua nova Maria passava por isto: a mesma agonia, a mesma névoa na alma, a mesma raiva, a mesma frustração.
        A mulher completara no dia anterior 67 anos. O martírio se repetia há 51. Desde aquele acontecimento...
&
         Ainda trêmula e molhada, Maria voltava para seu quarto. Colocava um travesseiro entre as pernas. Cobria-se completamente. Em posição fetal e dizendo Cicio, cicio, ficava até dormir.