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domingo, 6 de janeiro de 2013

OUTRO CONTO



Prudêncio, o Criolo

(...) - Toma, diabo! dizia ele; toma mais perdão, bêbado!
- Meu senhor! gemia o outro.
- Cala a boca, besta! replicava o vergalho.
Parei, olhei... Justos céus! Quem havia de ser o do verganho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio, o que meu pai libertara alguns anos antes (...)
Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis.


    Não acredito, esta é a minha chance de viver meu grande amor! D. Teodora, abraçando carinhosamente o jornal, no qual lera um anúncio de venda de um criolo, pronunciou sorrindo esta frase.
       D. Teodora é uma viúva que possui o poder de encantar a muitos, embora tenha 57 anos de idade e quatro filhos. É um pouco misteriosa somente nos olhos. Ela se tornara mais vaidosa após a morte de seu marido, há três anos. Talvez quisesse encontrar um novo esposo ou um homem.

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     De repente, Isabel e Pedro entram conversando na sala, onde D. Teodora está a sós com o seu criolo, no anúncio:
       – Não vejo a hora de sumir deste fim de mundo e ir fazer parte da elite francesa.
     – Até que eu gosto do Rio de Janeiro, tem criolos baratos e negociantes burros, uma mistura perfeita para se ganhar muito dinheiro. Disse Pedro, com um riso malignamente ganancioso, à sua irmã.
       A mãe volta-se para os dois filhos mais velhos, que acabaram de interromper o possível início de conjecturas proibidas, e com os olhos brilhando diz:
    – Acho que precisamos de um criado. Eles a olharam fixamente, aguardando que alguma justificativa viesse logo em seguida, mas D. Teodora se calou e saiu. Saiu com uma pontinha de riso, riso tão discreto que os filhos não notaram. Quase não notei.

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       Os quatro filhos de D. Teodora se pareciam muito, pelo menos no que concerne à ambição.
Isabel e Virgílio são advogados, que, apesar da pouca experiência e de raramente ganharem uma causa, possuem articulação maliciosa o bastante para sugarem até os últimos réis de seus clientes. Ambos moram em São Paulo, mas estão sempre por dentro de qualquer negócio que a mãe realize.
       Vieira, o filho mais novo é também o mais cruel de todos. Só de lembrar-se dos bens de sua mãe e da fortuna que eles valem já começa a fazer planos ardilosos. Dois meses após seu pai ter falecido tentou sequestrar D. Teodora. Não obteve sucesso. Como ninguém descobriu que foi ele o mentor do atentado, não se deu por vencido e até hoje planeja um golpe fatal.
      D. Teodora era a única que mais tarde saberia que tinha sido seu filho o autor do sequestro fracassado. Mas não tomou providência contra Vieira. Que coração! A vingança, não somente contra o caçula, mas contra a ambição em geral de seus filhos, viria com a compra daquele criolo, o Prudêncio.

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      Ninguém desconfiava, porém D. Teodora, mesmo sendo rica e branca, era fascinada por um criolo; e aquele anúncio no jornal era mais que ideal.
        No dia seguinte, aos 22 do sexto mês de 1878, Virgílio faria aniversário, então toda a família se reuniu no Rio de Janeiro, na Casa da família, para um grande almoço.
      Era meio dia, todos os filhos já estavam presentes, quando, de repente, D. Teodora chega abraçada com o criolo Prudêncio, ou melhor, Prudêncio, o Criolo de 22 anos, do anúncio.
         Os filhos olharam assustados e D. Teodora disse:
        – Estou indo embora viver o amor verdadeiro que sempre quis. E a vocês, que só pensam em meus réis, deixo um tílbure e um burro de dentes podres e bicheira no rabo, pois todo o restante eu já vendi.
         A vaidosa viúva viu o temor nos olhos dos filhos. Puxou Prudêncio pelo pescoço e o beijou na boca. Logo em seguida sorriu, disse adeus aos filhos e saiu imponente.
          Perplexos, os quatro filhos em uníssono disseram:
          –  O tílbure e burro são meus! Há males que vem para o bem!

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          Em uma grande festa comemoraram o aniversário de Virgílio.

2 comentários:

  1. Estupendo este conto! Estilo original, em que o autor se insinua muito sutilmente como personagem e as personagens se parecem, cada uma, com algum vizinho ou algum conhecido nosso. Abordagem ligeiramente e inteligentemente bem humorada do comportamento social na decadência do império, transição para a abolição e a república. Um retrato de uma época e de um lugar tão familiares, parece que fica logo ali...

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    1. Tânia, este comentário tão generoso é seu?!Obrigado pela visita... ufa!!! já posso colocar nova postagem agora!!! rsrsrsrrs.

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